Entrevista: Catarina Matos

A atriz Catarina Matos fala do seu percurso profissional, dos seus atuais projetos e da sua saída da novela da TVI «A Única Mulher». Hoje é a protagonista desta entrevista no SobreTudo.

1. Quem é a Catarina Matos?
Uma mulher com paixão por todas as Artes e pelas coisas simples - e belas - da vida: pessoas, sorrisos, vidas, culturas, escolhas, viagens, gastronomia, ideais…

2. Como nasceu a sua paixão pela representação?
Pratiquei Dança Clássica, Ginástica de Competição e Formação Musical desde os 3 anos. Fui, desde tenra idade, frequentemente levada a espetáculos – desde Touradas a Concertos de Música Clássica… a Museus, a Igrejas, a Pontes (romanas e outras…), pelo que me foi sendo desenvolvido um imenso gosto pela Cultura e pela Arte, pela exposição, pela relação Público/Obra. Mas o que mais me apaixonou foi a arte que reúne todas as outras: a Música, a Dança, a Estética, a movimentação corporal, a mentalidade, a psicologia, a história, a sociologia… Houve um dia – quando tinha 8 anos e vi o filme «Show Boat» (1951, com Ava Gardner e Howard Keel – Recomendo!), no qual que percebi que «Fazer de Conta», viver várias vidas, incorporar vários seres… podia ser profissão. Aos 8 anos tomei consciência de que queria, devia e podia ser atriz!

3. Iniciou a sua carreira no musical «Annie», em 1983. Que recordações guarda deste espetáculo?
As recordações são as melhores: em primeiro lugar, a idade da estreia - aos 11 anos tudo é marcante; depois, tudo o que aprendi com os grandes profissionais que participaram nesse espetáculo - Nicolau Breyner, o maior ator português que conheci; Rita Ribeiro, José Raposo (um dos mais belos seres humanos que conheço, um enorme amigo, outro grande ator); Maria João Abreu, Noémia Costa (com quem tenho o imenso prazer de estar a fazer o espetáculo «Absolutamente Fabulosos», também com o Luís Aleluia); com o Armando Cortez (que, por grande que é, até tem Teatro com o seu nome). Aprendi muito, diverti-me muito… Também chorei muito quando o cansaço apertava e queria desistir. Mas os pais nunca permitiram, incutindo-me, desde então, a necessidade de levar os compromissos até ao fim. Guardo as melhores recordações do «Annie», bem como de ensinamentos que só compreendi mais tarde e que são, hoje, parte do que sou!

4. Seguiram-se vários trabalhos na televisão, no teatro e no cinema nos anos 80 e 90. Que projetos destaca?
Tenho que destacar «Milongo» (1995) – a história de uma filha de S. Tomense e 'Branco' que, em busca de uma vida melhor, nos anos 50, se apaixona e faz tudo para casar com um branco para vir para o Continente. Para tal faz 'Milongos' (Feitiços) e acaba por conseguir. A série, passada no Canal 2 a horas tardias, ganhou diversos prémios (Nacionais e Internacionais). O maior prémio foi o de descobrir que, em determinadas cenas ou dias, nem sempre a minha intuição permitia fazer o melhor trabalho e me causava inseguranças… o que me levou à ESTC (Escola Superior de Teatro e Cinema) em busca de mais conhecimentos, de mais ferramentas. Tenho também que destacar «Cinzas» (1992-1993), a minha primeira telenovela. Já havia participado em 3 episódios da «Passerelle» (1988), mas a Etelvina foi a personagem que compus do início ao fim da mesma, mais uma vez acompanhada por belíssimos atores (Márcia Breia, Rui Mendes e Julie Sargeant) e dirigida pelo Nicolau Breyner. Outro «pequeno prazer» foi o de dar corpo e alma a uma agente da PJ disfarçada de vidente em «O Último Beijo», já que pude sobrepor várias camadas de Interpretação e 'mentira'. Na verdade, não há trabalho que tenha feito que não me tenha dado imenso prazer: embora nem sempre esteja contente com os resultados e, à distância, pense que os poderia/deveria ter feito de outra forma, melhor, explorado mais «esta e aquela ideia». Todos me deram muito prazer a investigar, compor e executar.

5. Em 2008, a Catarina interpretou Dirce Santos em «A Outra», da TVI. Como foi participar numa das telenovelas mais vistas de sempre e que ainda hoje é recordada?
A Dirce Santos foi uma das minhas apostas mais arriscadas… e uma das que mais prazer me deu construir. A personagem foi-me apresentada com «Angolana, sensível, vidente, maternal». Tenho poucas referências africanas uma vez que nasci, cresci e fui educada num meio sem contacto com qualquer cultura africana –  sou filha de um médico-cirurgião e de uma especialista em Educação, frequentei da Infantil ao 12º ano um colégio privado; no bairro em que vivi não tive nenhum contacto com africanos. As minha referências, para compor esta personagem tal como pedida eram parcas. Toda a minha família é de origem beirã, tanto pelo lado da mãe, como do pai. O bisavô Mattos (branco) foi para Angola plantar café; casou com a bisavó (negra); nasceu o avô Adriano de Matos (mulato e perdeu-se um 'T' por alturas do anterior Acordo Ortográfico). O avô casou com a avó Domingas (negra) e nasceu o pai. O pai conheceu a mãe (branca) na cantina da Cidade Universitária… eu fui o resultado! Com a total confiança de uma imensa equipa de Diretor de Projeto, Direção de Atores, Escritores, Realizadores e Colegas, à imagem das minhas histórias e memórias – férias passadas na Beira Litoral Interior, compus esta personagem apenas com base em tantas mulheres Portuguesas, telúricas, fortes, que conheço. Recordo este trabalho como um (dos poucos, em televisão) em que me foi dada real capacidade criativa, real capacidade de adaptação da personagem à atriz, criando algo de novo (e não igual ao ator, com sempre se vê – sem mérito ou novidade).

6. Sete anos depois, a Catarina aceitou o convite da TVI para participar em «A Única Mulher». Recorde-nos a sua personagem Isaura das Dores.
A Isaurinha das Dores foi a personagem que amei fazer, como todas: uma mulher que perde uma filha na guerra em Angola; vem para Portugal com outra filha e o marido, volta a Angola para investir num resort; perde tudo e volta a Portugal; acredita ter encontrado a filha perdida que teve... Infelizmente, tanta história teve pouco espaço de composição e desenvolvimento da narrativa! Mas soube-me bem explorar a imensa empatia/química que existe no ecrã entre mim e o extraordinário Nuno Homem de Sá (e têm que o ouvir a cantar, é excelente!). Muitas vezes o texto chocava com a mentalidade e cultura do povo angolano (Forte por natureza!). E a Isaurinha apresentava-se, frequentemente, frágil face a situações às quais, pelo que conheço, qualquer mulher africana com a mesma história de vida, seria forte e determinada. Nem sempre são fáceis as incongruências entre a verdade e a ficção. E confesso algumas limitações em interpretar, em televisão (face ao curto espaço de tempo de composição de que dispomos) resignação, aceitação e fraqueza. Tenho pena que o único casal unido e amante da novela tenha sido destruído tão precocemente. Mas ainda com pena pelo parco desenvolvimento dado pelos autores a esta personagem, enche-me de orgulho ter-lhe dado vida.

7. A sua personagem acabou por sair prematuramente da trama. Como reagiu à decisão do canal e ao fim da sua personagem?
É sempre com tristeza que se sai de um projeto, do encontro diário com amigos/colegas que apreciamos, da personagem que compomos. Enquanto atores temos sempre duas posturas: a do Profissional (o que vive disto, como um médico face a uma gripe ou face ao um transplante cardíaco – tem que se fazer!) e a do Artista - também profissional! - (o que acredita numa forma maior de comunicação, de expressão…). Como Profissional (o que vive disto – tal como o médico!) senti-me economicamente lesada com a «morte» da Isaurinha, uma vez que me voltei a ver sem qualquer rendimento ou 'subsídio de desemprego' (chamam-nos «recibos verdes»). É sempre com tristeza que se perde um trabalho, um salário (que nós, atores, também pagamos água, luz, casa, telemóvel…). Mas a decisão da TVI, para a saída desta personagem, foi acertada e sensível (artisticamente – potencialidade e história): fiquei triste, mas estou «artisticamente solidária» com a decisão e crente que novos e mais desafiantes projetos surgirão.

8. Quais são os seus próximos projetos?
Estou, neste momento, a viver uma nova experiência. Após a minha estreia em Teatro Musical, seguido de Revista (no Parque Mayer); de espetáculos no Teatro Aberto, Teatro Nacional D. Maria II; de espetáculos de Performance, de Commedia D’Ell Arte, de Teatro de Rua (e Tese escrita e editada nesta área e na de Improvisação), experimento agora, pela primeira vez,  a Comédia - um género muito difícil e desafiante (com «Absolutamente Fabulosos»). Mantenho também a atividade de continuar a dar aulas de Interpretação: agora é na Primeiro Acto (www.primeiroacto.com), escola de Formação de Atores para Teatro Musical, representante da Trinity em Portugal. «Espevitar», a cada dia, a criatividade de cada aluno, refletir sobre ela, sobre a aplicação de regras e métodos… é uma experiência que me enriquece tal como interpretar 20 personagens num mês. Esgota-me, mas enche-me de experiências.

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