Nuno Baltazar abandona Portugal Fashion

Nuno Baltazar apresentou, no passado dia 16 de março, a sua última coleção no Portugal Fashion. Em comunicado publicado no seu perfil de Facebook, o estilista anunciou que não voltará a participar no evento de moda e mostrou-se descontente com a atual direção da organização:
Aos meus queridos amigos e todos aqueles que seguem de alguma forma o meu trabalho,

Depois de passado o fim de semana do Portugal Fashion, onde apresentei neste último sábado a minha trigésima coleção, é tempo de partilhar as minhas mais recentes decisões.

Importa, antes de mais, explicar que decidi fazer essa partilha publicamente por dois motivos. O primeiro é o respeito e profunda gratidão por todos aqueles que, ao longo de 20 anos de muito trabalho, me ajudaram a materializar os meus sonhos, me apoiaram e acarinharam nos bons e maus momentos. O segundo motivo desta exposição ser feita aqui é porque é exactamente assim que eu e a grande maioria dos meus colegas temos sido “informados” sobre os mais variados assuntos, desde os aparentemente mais insignificantes até aos mais estruturais. Parece-me assim mais do que justo que eu tenha o direito a fazer o mesmo.

Há aproximadamente 3 semanas decidi que a minha 30ª coleção seria a última a ser apresentada na plataforma Portugal Fashion. Ainda ponderei cancelar o desfile, mas decidi não cancelar por respeito à equipa maravilhosa que trabalha comigo, por enorme carinho à Isabel Branco e pelos esforços levados a cabo pela Ana Paula Andrade na preparação de um set design especial para o desfile.

No final do desfile, fui abordado pela muito paciente Margarida Brito Paes, que esperou que eu fosse cumprimentado e abraçado por amigos, família e por quem comigo construiu este desfile. Quando eu menos esperava estava ali uma jornalista da ELLE Portugal que quis saber mais, quis fazer jornalismo ao invés de selfies. Sem que fosse o meu objectivo, acabei por revelar a minha intenção de deixar de apresentar no Portugal Fashion. Quero agradecer à Margarida por ter respeitado tudo o que eu disse, por não ter cortado a entrevista e assim deixar claro a minha enorme desilusão para com esta plataforma e tristeza por ter de tomar uma tão difícil decisão.

O resultado deste momento fica também aqui partilhado. É o lado mais emotivo da minha decisão.

Mas paralelamente a este momento de “desamor” há uma decisão muito consciente, estruturada e que faço questão de partilhar.

Eu deixo de apresentar o meu trabalho no Portugal Fashion porque não acredito nesta direcção, não acredito no projecto que desenvolvem para aquela que se diz ser a maior plataforma de apresentação da moda em Portugal. Não é! Porque a moda é muito mais do que números, porque tudo que se passa é muito mais do que esta aparente efervescência. E eu não quero, não aceito e não valido mais este vazio absoluto de estratégia, falta de paixão e respeito pela moda e por quem nela trabalha.
Sinto-me perfeitamente à vontade para fazer estas declarações porque desde a entrada desta direcção, tentei reunir, esperei meses, fiz sugestões e pedi esclarecimentos. Fiz tudo o que podia para tentar levar esta relação a bom porto, dei o beneficio da dúvida, dei a 2ª e a 3ª oportunidades e o que recebi em troca foram sucessivas manifestações de desrespeito para comigo e para com os meus com 20 anos de muito trabalho.

Importa também esclarecer que quando falo em moda falo em Moda de Autor, aquela da qual faço parte. Mas falo apenas em meu nome. As minhas opiniões apenas me representam a mim. No passado recente tentei criar uma associação de designers mas infelizmente não tive o apoio necessário da esmagadora maioria dos meus colegas. E é exactamente dessa falta de união dos criadores que nasce a maior fraqueza dos designers portugueses. Não temos quem nos represente e defenda a dignidade da moda de autor em Portugal e a forma como ela é levada a plataformas internacionais.

A dignidade das apresentações de moda de autor e as condições de trabalho das equipas que trabalham arduamente para que os desfiles aconteçam está seriamente comprometida, porque o verdadeiro objectivo não é o de elevar e projectar os designers portugueses. O objectivo é cumprir com candidaturas que garantam a manutenção de atribuição de verbas para a suposta promoção da moda portuguesa. Não conta nada o que os designers pensam, o que fazem, as suas diferenças e objectivos. Importa é preencher o lugar no calendário, por os logotipos das instituições parceiras e que financiam as ações em tudo quanto é suporte de promoção e no final contar o número de saídas de imprensa. Não importa avaliar resultados, não importa avaliar se foi bem ou mal feito e muito menos importa avaliar se a moda de autor foi verdadeiramente valorizada. Desde Outubro de 2018 pedi, variadíssimas vezes, esclarecimentos formais sobre as estratégias e critérios das ações internacionais, já que me parecia existir uma enorme falta de transparência nestes processos e diferentes critérios consoante os criadores. As respostas foram sempre evasivas e informais, feitas telefonicamente para que não existisse um compromisso escrito nessas respostas. Mesmo assim insisti, quis saber, estruturei emails, fiz perguntas, apresentei argumentos e pedi esclarecimentos. Nunca obtive respostas formais e esclarecedoras às minhas questões. Não sei se tenho direito a elas mas quero acreditar que sim.

Ao longo dos meus 20 anos de trabalho, fui sempre exigente, nunca aceitei por medo, nunca me acomodei e sempre questionei o que não me parecia certo. Nunca passei por cima de ninguém e sempre defendi a moda de autor. Fui sempre movido por acreditar e querer melhor. Para mim, para os meus colegas e para as diferentes equipas que trabalham sem condições. Trabalham por paixão.

Podia estar aqui um dia inteiro a debitar detalhes, dos mais pequenos aos maiores (alguns deles vergonhosos) mas o que interessa, e espero mesmo que interesse a alguém, é que eu saio, bato com a porta e digo um enorme NÃO esta direcção do Portugal Fashion. Digo abertamente que o que ali se faz não dignifica, não eleva e não potencia o trabalho árduo dos criadores portugueses. Potencia apenas o nome da plataforma e a vaidade e deslumbramento de quem a dirige.

Ainda não sei de que forma, como e quando vou continuar a apresentar o meu trabalho. Mas tomei esta decisão sem medo. Porque sei que seja qual for a forma serei feliz. Porque só sei fazer se for com amor e dignidade.

Nos últimos anos tenho assistido a uma enorme desvalorização dos criadores nacionais. Espero que a minha decisão possa contribuir de alguma forma para darmos a volta a isto e não tenhamos vergonha de assumir o protagonismo no momento em que escrevemos a nossa história.

Fica muito por dizer… Agradeço a todos pela paciência e interesse neste meu desabafo.

Um abraço

Nuno Baltazar

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