Cena da telenovela «Festa é Festa» envolvida em polémica!


Na passada quarta-feira, 12 de maio, Cristina Ferreira partilhou nas suas redes sociais uma cena de «Festa é Festa», a sua mais recente aposta na TVI: «E a Nelinha a cantar no coro de gospel com... mamas? Imaginam? Eu sou suspeita mas esta novela é extraordinária. Às vezes dá logo vontade de ver outra vez com medo de ter perdido alguma coisa», escreveu na legenda do vídeo.
No entanto, a diretora de entretenimento e ficção da estação de Queluz de Baixo não esperava a polémica que ia resultar. É que a personagem Nelinha (interpretada pela atriz Inês Herédia) disse na referida cena: «As gordas ficam todas lá atrás porque até enchem o palco, é uma coisa boa porque dá assim volume e as pessoas acham que está lá muita gente».

Face a esta afirmação, surgiram várias acusações de gordofobia e bullying. A influenciadora Catarina Rochinha também não gostou e mostrou a sua indignação num vídeo publicado no Instagram: «Acho que há uma grande diferença entre fazer parte das causas ou viver das causas. A Cristina Ferreira é um exemplo nato disso. Quando há dinheiro envolvido ela faz parte da causa, mas porque vive da causa (...) Porque se aquela cena tivesse qualquer outra minoria por trás era um escândalo, nunca saía e o problema não está nas minorias, o problema está na falta de voz da comunidade e das pessoas que não têm a forma estereotipada de que a sociedade quer, dentro daquilo que é o propósito de ser bonito».
O ataque a Cristina Ferreira continuou: «Quando é para fazer dinheiro como a Cristina fez uma capa com a Catarina Corujo contra a gordofobia, aí era ok porque aí havia dinheiro para ela. Afinal, se calhar vai dizer que já não manda assim tanto na TVI (...) Eu não quero viver num mundo em que ser gordo é ridicularizado».


Posteriormente, Inês Herédia reagiu também num vídeo: «Eu queria dizer três coisas. A primeira de todas é que eu sou completamente anti qualquer tipo de comentários sobre o excesso de peso ou o pouco peso de quem quer que seja, precisamente por já ter sofrido bastantes distúrbios alimentares (...). Segundo ponto: todas as frases, as deixas que vocês viram na emissão em que a Nelinha faz referência ao peso de alguém (...) são improvisações minhas, portanto, se precisarem de imputar culpa a alguém, imputem-na a mim porque fui eu que improvisei isso, a sugestão foi minha, a culpa é minha, se houver culpa... A terceira coisa é que ao longo da história do cinema, do teatro, da televisão e até da literatura, principalmente na comédia mas no fundo é em todos os estilos, há muito esta personagem que é altamente bully com tudo aquilo que a rodeia. (...) Esta personagem existe, se calhar não tinha sido feita ainda numa novela, estamos a testar. (...) Esta mulher é capaz de ser das personagens mais infelizes desta trama por uma simples razão: é completamente obcecada pela imagem e, principalmente, pela imagem que não tem e gostava de ter. Ela projeta nos outros tudo aquilo que não consegue ter».

No passado sábado, 14 de maio, a atriz Carla Vasconcelos publicou um longo texto nas redes sociais: «Enquanto textos como este continuarem a ser escritos e gritados agressiva e gratuitamente e os actores que os recebem continuarem a dizê-los sem questionar e achar no seu quarto de neurónio que vão ter muita graça, as mentalidades não saem da vergonhosa tacanhez miserabilista e preconceituosa em que se encontram. Agora linda Inês Herédia, põe-te de mãos postas em sossego e imagina que a palavra que está nesse texto não é gordas a ocupar espaço... Consegues fazer esse exercício? Imagina que te davam o mesmo texto e encontravas palavras de substituição como pretos, paneleiros, monhê, fonga... por aí fora. O teu quarto de neurónio questionava? Dirias as alarvidades que te apareciam escritas? Ou para ti as gordas atrás a ocupar espaço não é um texto suficientemente agressivo para não o dizeres? Ou não pensas? Papagueias tudo o que te dão? A culpa é do texto... Sabes, eu fiz de gorda na novela Amar Demais. Não sei se vês, está no ar. E ali foi um esforço imenso para que o assunto fosse abordado de uma forma educativa, de forma a combater o preconceito. Sabes quantas vezes vieram textos violentíssimos sobre gordos parar às minhas mãos? Sabes o que é ter os colegas a rever texto e a encontrarem forma de não dizer o que vinha escrito? A recusarem-se a dizer determinadas coisas que fossem apenas gratuitas? Sabes quantas vezes falei com a autora para lhe dizer o que acontece na verborreia dos outros quando se é gordo? Para que a minha experiência fosse aproveitada para um guião construtivo? Sabes quantas mensagens recebo por dia de pessoas destroçadas por ouvirem piadas agressivas como essa todos os dias? Pessoas reais, que choram por não serem aceites, por serem alvo de chacota? Pessoas que têm medo de ir buscar os filhos à escola e não vão porque não querem ser gozadas à frente dos filhos. Sabes da dor? Do desgosto, do desespero? Sabes lá tu!».
No dia seguinte, Carla Vasconcelos arrependeu-se, apagou a anterior publicação e fez outra: «Porque há momentos em que fazemos com que os outros se sintam mal, independentemente da justificação que temos para o fazer. A Inês Herédia foi ontem alvo da minha reação a quente por uma cena feita por ela onde eu senti um enorme desprezo sobre forma de tratar as pessoas gordas. Inês, não é ódio (porque não faz parte de mim), não é conhecer-te e ter algo contra ti (porque nem te conheço), não é nada que se prenda com aspetos pessoais e na realidade também não é com aspetos profissionais. Foi um momento mau em que te magoei gratuitamente após ver a tua cena, onde senti que foi gratuita a forma como foram tratadas as pessoas gordas, e por ter consciência de que tal nunca aconteceria se o alvo fosse outra minoria qualquer, porque todos teriam pejo de o fazer. Senti que, com os gordos não faz diferença gozar, não é grave como outras coisas em que se pisa devagarinho para não estourar. E foi o que me aconteceu. Estourei! Sobre isso até podemos falar depois, se tiveres vontade de o fazer, mas agora o meu dever é pedir-te desculpa pela forma violenta como te tratei e que condeno. Desculpa Inês, a minha fúria desmesurada contra ti. Foi uma reação a quente e que te levou à frente enquanto te chamei acéfala, a ti e alguns elementos da equipa. Desculpem, equipa. Alguns de vos conhecem-me outros nem por isso, a verdade é que nem sei quem está nesta equipa, mas fui indelicada convosco também. Eu não sou o meu post de ontem, como algumas das pessoas com quem trabalhas e que tantas vezes trabalharam comigo, sabem. Tenho o coração na boca, e por vezes, raramente, no calor do momento digo coisas sem pensar, o que não serve de desculpa para tudo, mas a verdade é que aconteceu ontem. Acabei por ser tão ou mais agressiva contigo do que a cena que critiquei e que me levou a chamar-te acéfala. Desculpa-me, Inês. Desculpem, pessoas da equipa. Reconheço o meu erro, podia ter dito tudo na mesma sem ter sido agressiva e sem vos ter chamado acéfalos. Desculpem. Fiquei zangada com o que vi. Desculpem! Tentarei não voltar a ser levada pelo calor do momento e acredito profundamente na capacidade e dever de todos nós, que trabalhamos em ficção, de tratar assuntos delicados com a dignidade que eles nos merecem, podendo usar a nossa profissão também como um veículo de combate ao preconceito e às ações violentamente gratuitas. Inês, equipa que atropelei, estou verdadeiramente triste com tudo isto. Um beijo a todos... com um sentido pedido de desculpas».



Roberto Pereira, o autor de «Festa é Festa», fez questão de pronunciar-se sobre o assunto: «Depois de nos últimos dias, toda a classe artística se ter unido e manifestado em torno da dor da perda de uma das nossas maiores figuras da representação [referindo-se a Maria João Abreu], acho repudiante que haja criaturas que, somente na ânsia de serem faladas, venham a público criticar de forma reles, gratuita e injustificada, colegas de profissão, mães de família e, acima de tudo, pessoas de bem e com elevação/educação que merecem todo o meu respeito e solidariedade. Todo! Quanto a esta gente (Desprovida de gente na essência), só posso sentir o mesmo que este nosso mercado de trabalho tem sentido por ela: indiferença. P.S: Para a próxima, pensem duas vezes, antes de me enviarem mensagens a pedir trabalho, usando as suas características físicas como uma mais-valia, quando pelos vistos não o sentem ser».

Ricardo Castro, também conhecido ator e que perdeu 30 quilos em sete meses, abordou igualmente o assunto: «O que é gordofobia? 1- É ficares sentado numa cadeira durante todas as tuas aulas de educação física, durante um ano letivo, porque o professor, depois de te propor que arranjasses um falso atestado a dizer que tens um problema na coluna para te dispensar da aula e tu recusares, diz-te na cara que "um gordo na equipa contamina a evolução de todos". Contamina como um vírus. E este braço de ferro de um miúdo de 11 anos com um professor, faz-te chorar de revolta e contamina o teu rendimento noutras disciplinas, contamina a tua auto-estima; 2- É seres escolhido para uma telenovela, fazeres testes de imagem, dizerem que está tudo bem e depois não te dizem mais nada e sabes por amigos que "alguém" achou que o "gordo" não ficava bem no núcleo e porque as novelas são para "pessoas bonitas". Ficas desempregado, com uma filha de 6 meses nos braços porque és "badocha"e "contaminas" a telenovela», começou por explicar.

«Não ofende em nada a cena interpretada pela atriz Inês Herédia, quer no texto do Roberto Pereira, quer na própria interpretação, porque é humor, comédia ligeira, porque está a fazer o seu trabalho, a respeitar o texto e a valoriza-lo da melhor forma que sabe. Sempre se "brincou" com os gordos e até os gordos brincam com as limitações da sua própria gordura. Da mesma forma que se a Inês Herédia tivesse que interpretar um texto, com uma piada sobre duas mulheres na rua de "mão dada" aos beijos o faria da mesma forma e provavelmente no fim da cena, depois do "corta!" iria dar uma gargalhada pela "parvoíce" e "tacanhez" da cena em si. Um ator que interpreta um "pedófilo" não tem que ser pedófilo... este exemplo é exagerado mas assim é mais fácil de entender. Há uma expressão no Ribatejo que explica tudo: "Nunca confundam um croquete com um cagalhão"», acrescentou.

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