SIC e Cristina Ferreira em guerra aberta: saiba todos os pormenores do processo!


17 de julho de 2020, sexta-feira. Este dia ficou marcado na história da televisão portuguesa com o regresso de Cristina Ferreira à TVI, dois anos e cinco meses antes de o seu contrato com a SIC chegar ao fim.
Esta mudança repentina e surpreendente levou a entidade empregadora a avançar com um processo judicial milionário, cujos pormenores foram revelados pela revista TV7 Dias.

A proposta de renovação do contrato de exclusividade

Na sequência de recentes conversas tidas entre ambos, Daniel Oliveira (diretor-geral da SIC) enviou a 26 de junho, pelas 17h03, o seguinte e-mail à apresentadora: «Tendo em conta a história que estamos a fazer na televisão portuguesa, e que queremos continuar a escrever em conjunto durante muito tempo, venho formalizar uma proposta de renovação antecipada do teu atual contrato de prestação de serviços, que gostaríamos de anunciar no próximo dia 8 de setembro». Esta renovação teria duração até 31 de dezembro de 2025 e um aumento do salário que passa dos 80 mil para os 90 mil euros.

Seis programas recusados e outros deixados 'pendurados'

À data da cessação do contrato, Cristina Ferreira «havia assumido o compromisso de participar em projetos» como as próximas duas galas dos «Globos de Ouro» de 2020 e 2021, o talent show musical «O Outro Nível» e uma temporada de outro programa para a plataforma de streaming OPTO SIC, que deveria ter sido gravado em setembro.
A atual diretora de entretenimento e ficção da TVI e acionista da Media Capital recusou apresentar «A Máscara», «Lip Sync Portugal - Playback Total», «O Noivo É Que Sabe», «Escola de Sogros», «Quem Quer Ser Milionário» e «A Experiência», «alegando um potencial desgaste da imagem e da marca Cristina Ferreira, falta de interesse nos projetos ou falta de oportunidade dos mesmos».

Os bastidores da saída

De acordo com o processo judicial, na manhã de 17 de julho, Daniel Oliveira «interpelou Cristina Ferreira no sentido de esclarecer se os rumores da sua transferência eram verdadeiros». Os dois reuniram-se com Francisco Pedro Balsemão, presidente executivo da Impresa, e Cristina Ferreira assumiu «que tinha sido feita uma proposta pela TVI e que estava a pensar aceitar».
«Ouviu a proposta da SIC e comprometeu-se em dar uma resposta à mesma no imediato. Horas depois comunicou a Daniel Oliveira a sua saída, posição formalizada por escrito». Por sua vez, a estação respondeu à apresentadora, «refutando a licitude da cessação do contrato» e foram-lhe dados «dez dias para apresentar os fundamentos que sustentassem aquele comportamento», assim como a oportunidade de retomar «o cumprimento das obrigações contratuais».
Na ausência de resposta dentro do prazo estabelecido, a SIC terminou o vínculo a 5 de agosto. No dia seguinte, respondeu por carta e rejeitou «a ilicitude da sua conduta».

Foi tramada pela TVI e por amigo

Neste contrato de comissão de serviço, assinado entre a SIC e a Amor Ponto, a empresa que «representa os interesses de Cristina Ferreira, sendo através desta que executa os serviços de apresentação», ficou definida uma cláusula de confidencialidade que a estação de Paço de Arcos considera ter sido quebrada.
As duas partes comprometeram-se em não divulgar, sob forma alguma, «quaisquer factos, informações, dados ou documentos de que tomem conhecimento na execução do presente contrato, ou em virtude do mesmo» e este dever manter-se-ia «por tempo indeterminado, mesmo depois da cessação do contrato».
Cristina Ferreira é acusada de infringir a cláusula, pois revelou «informações relativas ao contrato, nomeadamente os seus termos e conteúdo». «Foi na sequência desta revelação que o grupo Media Capital [detentor da TVI] assumiu, perante as rés [Cristina Ferreira e a empresa Amor Ponto] o compromisso de suportar, total ou parcialmente, a indemnização (...) este incumprimento está revestido de especial gravidade, pois o conhecimento, pelo grupo Media Capital, dos termos do contrato».
Além deste contrato celebrado entre a SIC e a Amor Ponto, o canal assinou outro contrato de trabalho, desta vez com a própria Cristina Ferreira, no qual era «admitida para exercer funções correspondentes à categoria profissional de consultora executiva para a área do Entretenimento, na dependência direta do diretor-geral de Entretenimento», no qual se exclui «a execução de tarefas e funções de apresentação de programa, nem quaisquer outros que consubstanciem a exploração ou utilização comercial da imagem ou nome da Cristina Ferreira».
Neste documento, a apresentadora «obriga-se a não exercer, por conta própria ou alheia, direta ou indiretamente, a título oneroso ou gratuito, atividade concorrente com a da SIC ou a favor das entidades concorrentes com a SIC sem o prévio acordo por escrito desta».
Na primeira emissão do «Dia de Cristina», a 23 de setembro, Ruben Rua foi questionado sobre «há quanto tempo» tinha recebido o convite para apresentar o «VivaVida» com Helena Coelho. «Desde a primeira semana de julho mais ou menos. (...) Segunda-feira tenho uma mensagem tua que diz: 'Miúdo, reunião quarta-feira às 11. (Trabalho)'», respondeu, o que significa que Cristina Ferreira já trabalha como diretora de entretenimento e ficção da TVI antes do vínculo com a SIC ser quebrado.


Um ano e meio de trabalho, milhões de euros na conta bancária e milhões de indemnização

Cristina Ferreira não recebia 'apenas' 80 mil euros por mês, para apresentar «O Programa da Cristina». Por cada programa extra de 90 minutos ganhava mais 8 mil euros. Outra fonte de rendimento passava pelas receitas «provenientes das campanhas, patrocínios e/ou publicidade que incluíssem participação, imagem, voz e/ou nome de Cristina Ferreira, referentes ao programa ou a quaisquer outros programas de televisão para a SIC ou para o grupo», sendo que estes montantes eram repartidos na proporção de 60% para o canal e 40% para a profissional, caso os patrocínios fossem arranjados pela SIC e na proporção inversa se fosse Cristina a tratar dos patrocinadores. Ficou ainda definido que os microespaços seriam pagos ao valor de 500€, montante este que poderia acrescer em 250€ «sempre que o programa da manhã fosse confirmado como líder no seu horário», o que aconteceu em 391 dias dos 393 em que houve «O Programa da Cristina».
Em setembro de 2019, o contrato recebeu uma adenda em que ficou estipulado que as chamadas de valor acrescentado nos programas para os quais dava a cara «deveriam ser objeto de contrapartida em função do número de chamadas de valor acrescentado efetuadas durante a emissão de determinado programa realizado por esta».
A estas quantias soma-se ainda o ordenado auferido ao cargo de consultora executiva, pelo qual recebia 7232,14€ brutos, mais 1339,29€ de isenção de horário e 6,23€ de subsídio de alimentação por dia.
A SIC exige uma indemnização superior a 20 milhões de euros, valor que resulta da soma da cláusula penal e dos danos excedentes em relação às chamadas de valor acrescentado, publicidade, patrocínios e ações comerciais:
  • 2.274.666.67€ - referente aos quase 29 meses restantes até ao fim do contrato, a 30 de novembro de 2022, em que ganharia 80 mil euros por mês;
  • 96.666,67€ - corresponde à soma da média mensal de programas extras para o restante contrato, uma vez que, em 18 meses, Cristina arrecadou 60 mil euros;
  • 1.051.250€ - valor este que, estima a SIC, a profissional iria arrecadar até ao final de 2022, quanto aos patrocínios e microespaços, já que ela ganhou 652.500€ em ano e meio, uma média de 36 mil e 250 euros por mês;
  • 499.766,67€ - montante sobre as chamadas de valor acrescentado e apenas levaram em consideração o valor obtido entre a segunda adenda do contrato, entre abril e 30 de julho de 2020, que foi de 51.700€.
A segunda parte da indemnização refere-se ao valor que a SIC vai perder após a saída de Cristina Ferreira:
  • 11.037.488€ - estimativa do volume de chamadas de valor acrescentado, no período compreendido entre abril e junho de 2020, uma vez que a SIC perdeu em média 12.500 chamadas por programas, num total de 20 programas diários a 79 cêntimos e 231.776 por programa especial;
  • 6.653.189,67€ - publicidade e patrocínios, comparando os resultados de 2018, antes da sua chegada, e 2019 e concluiu que o recuo na média mensal pode atingir os 229.420,33€;
  • 6.669.089,71€ - as ações comerciais sofreram uma queda e as perdas mensais estão avaliadas em 229.968,61€.
Se, à soma de todos estes montantes, subtrairmos a poupança na despesa e a cláusula penal, obtém-se o dano excedente, que é de 16.515.067,54€. Sendo que Cristina Ferreira é credora, na SIC, de um total de 150.333€, para se calcular o valor global da indemnização soma-se o valor da cláusula penal (3.922.350€) ao do dano excedente (16.515.067,54€) e subtrai-se o valor do qual é credora, atingindo-se assim os tais 20.287.084,54€.

A resposta de Cristina Ferreira

Dois meses após o pedido de prolongamento do prazo para responder ao processo interposto pela SIC contra si, a resposta de Cristina Ferreira deu entrada no tribunal. Numa das primeiras alíneas da contestação, a apresentadora afirma que a petição apresentada pela SIC «contém factos verdadeiros, factos falsos, factos mistos de verdadeiros e falsos, por vezes com verdade e falsidade numa mesma frase ou artigo e factos deturpados ou descontextualizados que, assim apresentados, são mais falsos do que verdadeiros».
Cristina Ferreira alega que lhe prometeram um cargo de assessoria na direção de programas e entretenimento da SIC e que «correspondia àquilo que a mesma entendia ser o passo seguinte da sua carreira em televisão, pelo que para si era muito importante esse desempenho».
A eterna parceira de Manuel Luís Goucha argumenta ainda que sujeitou a uma elevada elevada em «O Programa da Cristina» e «partilhou com o público aspetos da sua vida pessoal, como acontecimentos familiares, tudo a levar os espectadores do Programa a sentirem-se dentro da intimidade da casa e da vida de Cristina Ferreira», chegando «a confidenciar a amigos que a proposta e o programa a desenvolver na SIC eram bastante arriscados para ela».

Descontentamento levou-a a regressar à TVI

A apresentadora revela os motivos para romper com a SIC e retornar à TVI: «A 'execução' do contrato correu mal, pois não correu como os RR [Cristina Ferreira e a sua empresa] esperavam (...) face ao que havia sido combinado e contratualizado». Não foi «solicitado à Ré Cristina Ferreira nenhuma colaboração relativa à segunda vertente da atividade» como consultora executiva da direção e a estação é acusada de estar «centrada no uso e exploração da sua imagem e denunciar elementos da sua personalidade».
A apresentadora demonstrou o seu «desagrado» em «almoços ocorridos entre si e Francisco Pedro Balsemão, onde este, ouvindo-a, lhe assegurou que iria mudar esta situação», o que não «ocorreu até ao termo do contrato».
Estes argumentos mostram que Daniel Oliveira «não mantinha relação com a Ré e não a consultava, mesmo após as promessas de Francisco Pedro Balsemão» e Cristina viu «frustradas as suas legítimas expectativas e direitos».
Prestes a mudar-se para a TVI, a SIC ofereceu a Cristina Ferreira mais 10 mil euros por mês, «5% das ações da empresa e (finalmente) trabalho e um cargo de direção nas áreas de programas de entretenimento». Uma proposta que considera «financeiramente vantajosa», mas «decidiu então dissolver à mesma o contrato, ciente que tinha feito um excelente trabalho». Já a estação de Queluz de Baixo propôs «uma melhoria de retribuição», «a entrada no capital da sociedade», incluindo «a atribuição de efetivo e real trabalho na área da direção de programação».
A equipa de advogados de Cristina Ferreira refere ainda que é comum cancelarem-se contratos em televisão sem o aviso prévio de 30 dias e escolheu uma sexta-feira, 17 de julho, para sair e com o programa da semana seguinte todo planeado, sendo apenas preciso escolher o/a apresentador/a.

Reação à indemnização
Cristina Ferreira acredita que os dois anos antes do término do contrato não são motivo suficiente para os 20 milhões de euros que são pedidos de indemnização e que «a haver lugar a uma compensação, ela teria sempre o teto máximo de €80.000 x número de meses até ao fim de contrato, e que, em qualquer caso, seria bem menor que esse valor máximo, por dever ponderar todos os aspetos do caso, incluindo o incumprimento de A [SIC]».
Para além disso, a ex-companheira de António Casinhas não gostou de ver este assunto exposto na imprensa «nos termos em que foi», «tinha ideia que alguma indemnização haveria que ter que ser arbitrada no contexto do contrato» e «nem pensou ser possível, nem disse nem quis dizer nessas entrevistas, uma indemnização de €20M, ou de €10M ou de €5 milhões, como acredita que não é». Nas entrevistas que deu, nomeadamente ao «Jornal das 8», Cristina Ferreira alega também que nunca deu conta das promessas não cumpridas pela SIC.
Quanto à quebra de receitas, Cristina afirma que nunca pediu que lhe fosse dada nenhum dinheiro proveniente das chamadas de valor acrescentado e que até era contra elas no seu programa por provocarem «poluição».

Os programas que (afinal) não foram desprezados
Fala-se que Cristina Ferreira recusou vários projetos e deixou outros 'pendurados'. Por exemplo, «O Outro Nível estava apenas assinalado ser apresentado pela Ré, mas estava numa fase muito inicial de negociação com a produtora». Quanto ao programa para a OPTO, tratou-se apenas de uma «sugestão» e «nada estava definido». Em relação ao programa «A Máscara», o seu nome nunca esteve em cima da mesa para apresentar o mesmo, mas sim o lugar de jurada, pelo que, desta forma, a sua ausência não terá trazido consequências à execução do mesmo.

«Casa Feliz» é um programa «a custo zero»
Cristina Ferreira menciona que «verdadeiramente beneficiou» na sua saída quando deixou o seu programa «para aproveitamento económico desta». «O Programa da Cristina» deu lugar a «Casa Feliz», «a custo zero (...), chave na mão».
A ré argumenta que a SIC «não perdeu a capacidade de explorar a linha de rendimento financeiro do programa, sendo o que o que faz bem ou mal, desde 17/07/2020, a ela é imputável» e desmente a quebra de audiências, já que «o Programa continuou a ser líder (...), o que desmonta o que sobreveio à resolução do contrato um resultado positivo de A (e não um desastre de meses de €24M como sugere)».
Também a «publicidade de anunciantes/patrocinadores que a Ré Cristina Ferreira levou consigo para A. (Medicare e L'Oréal)» continuaram no formato agora apresentado por João Baião e Diana Chaves. A existir perdas de receita deve-se à pandemia da Covid-19, provocado por um desinvestimento do mercado publicitário.

SIC ficou a dever dinheiro a Cristina Ferreira

Cristina Ferreira reclama à SIC o pagamento de faturas que não foram liquidadas, no montante de 217.627,59€ acrescido de juros legais vencidos até dia 11 de dezembro, de 4.841€, o que ascende ao total de 222.468,59€.
As referidas faturas foram «emitidas pela contabilidade» de Cristina Ferreira e enviadas por e-mail, sendo que a SIC «teve então conhecimento nas datas incluídas naquelas comunicações, vencendo-se as mesmas imediatamente e sendo o respetivo prazo de pagamento de imediato».

O comunicado da SIC (17 de dezembro de 2020)

«A SIC foi notificada esta semana da contestação apresentada por Cristina Ferreira, no âmbito do processo que aquela intentou na sequência da cessação ilícita do contrato que a vinculava à SIC até 30 de novembro de 2022. A SIC desde já dá nota de que não pretende discutir publicamente questões que estão concretamente submetidas à apreciação do Tribunal», começou por referir.
«Não obstante, face às notícias hoje publicadas, e tendo em vista a defesa da imagem e reputação da SIC – que aquelas pretendem pôr em causa –, cumpre esclarecer as seguintes questões: - A pretensão da SIC assenta estritamente em factos objetivos e todos os factos apresentados foram acompanhados por provas robustas e maioritariamente documentais, pelo que se estranha que Cristina Ferreira acuse a SIC de “factos falsos” e “factos mistos de verdadeiros e falsos” com base no diz-que-disse e sem apresentar provas concretas e reais. - A SIC repudia a ocorrência de qualquer incumprimento da sua parte, nomeadamente que Cristina Ferreira não tenha desempenhado efetivamente as funções de consultora executiva na área do Entretenimento, reiterando o integral cumprimento dos contratos celebrados entre as partes. - Por fim, a SIC rejeita e manifesta a sua surpresa face às alegações de aproveitamento, seja por que meio for, da intimidade da vida privada de Cristina Ferreira, alegações que não deixam de ser contraditórias, considerando que a mesma era a principal responsável por “O Programa da Cristina”, agindo, no exercício dessas funções, com extrema liberdade, pelo que lhe é objetiva e exclusivamente imputável a partilha de quaisquer informações do foro íntimo ou privado», explicou.
«No mais, a SIC mantém a convicção das pretensões por si formuladas em sede própria, reiterando a sua confiança no sistema judicial e na obtenção da boa decisão da causa», rematou.

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