«A Dina saiu de cena muito antes do dia em que morreu porque o esquecimento é uma forma de morte»

Na passada quinta-feira, 13 de abril, Júlio Isidro publicou um longo texto no Facebook, intitulado «Quando chegam as memórias» e dedicado à cantora e compositora Dina, falecida em 2019. «Vou a sair com a família do restaurante "O Jardim" ali junto a S. Bento. No escuro da noite, ouço uma voz sussurrante: ‘Júlio Isidro, desculpe’. À minha frente está uma menina, pequena, de gorro e sorriso tímido. Será que me vem pedir alguma coisa: ‘Diga por favor...’. Aproxima-se um pouco mais para um desabafo, era apenas um desabafo: ‘Consegui ganhar coragem para lhe dizer que sou filha da Dina e que ela gostava muito de si...’. Inevitavelmente, já as memórias me trazem água aos olhos: ‘Eu também gostava muito dela. A menina também canta?’. Já estamos de mão na mão: ‘Não, eu agora vou para a Alemanha procurar uma vida melhor...’. Ainda tive tempo de lhe apertar a mão com mais carinho, assim como quem passa saudades pelos poros da pele.Boa noite...’, a menina virou a esquina e eu ali fiquei com a rua das recordações na folha do calendário que se tingiu de tristeza no dia 11 de abril de há quatro anos», começou por mencionar.
«A Dina tinha-nos deixado e o ritual habitual ia começar... por um ou dois dias, o máximo. Os tributos, os elogios, os lenços a acenar, as palmas tardias e as lágrimas até. E porque não tudo isso quando se está cá? A Dina saiu de cena muito antes do dia em que morreu porque o esquecimento é uma forma de morte. Brava, corajosa, foi dizendo que não ao mal que lhe tirava o ar até à rendição final. E a sua música está agora no ar para ficar ou o silêncio é já depois de amanhã? Haverá sempre entre mim e a Dina, uma ligação feita de música e sorrisos. (...) Era uma inspirada compositora, na pop rock ou em baladas que ainda hoje embalam», prosseguiu.
«(...) Dar lugar aos novos, para quem como ela se renovava em cada canção, foi mais uma vez o pretexto moralista e consumista para o seu apagamento da cena num gesto tão comum entre nós. Com estes e tantos outros actos de auto-mutilação, se vão desfazendo traços da nossa cultura popular», lamentou. «A doença lenta mas inexorável, foi-lhe tirando o ar, mas não a vontade de continuar a escrever canções. Estão guardadas na sua casa, agora vazia, mas espera-se que um dia surjam num álbum do tributo que ela merece», adiantou.
«A Dina despediu-se em termos de televisão num encontro que valeu por uma vida, no Inesquecível da RTP Memória. Foi em 2016, dias antes de dois espetáculos para cair o pano, onde participaram jovens músicos que a descobriram e à sua música.. Ainda cantou discretamente assim como quem diz adeus baixinho. A notícia da sua partida também me tirou o ar do peito. Mais um sensação de vazio, mais uma página de vida a menos. Agora recordo-a a sorrir e em dueto com Carlos Paião em 1988, na canção "Quando as nuvens chorarem". Nesta canção, o Carlos preconizava o dia, sempre igual e inevitável para todos, do reencontro: ‘Não chores, se o tempo não ri. Ficarei a teu lado, esperando por ti’», rematou o veterano apresentador.

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